ORIENTAÇÕES PARA O PROCESSO DE EDUCAÇÃO NA FÉ


TEXTO: ORIENTAÇÕES PARA O PROCESSO DE EDUCAÇÃO NA FÉ DA PASTORAL DA JUVENTUDE MARISTA: mística no processo de Educação na fé (texto provisório)
Padre Hilário Dick


Introdução
Não está em jogo somente um discurso sem conteúdo e uma atitude meramente intelectual, mas uma postura de vida carregada da mística.
Há muitas formas de vivenciar e apresentar pedagogicamente esse “processo”. Pensamos na riqueza dos diferentes “carismas” postos em prática no serviço evangelizador em geral e, também, junto à juventude. Afirmou-se, na trasmissão da globalidade desse processo, certa tendência “racionalizante” e “positivista” que se caracteriza pela apresentação lógica, intelectual e “fria”, deixando de lado aspectos bíblicos e simbólicos que precisam estar presentes tanto na explicação como na vivência dos diversos momentos desse processo de educação na fé. Faz falta a vivência e a vibração mística do processo. Em todos os “momentos” vividos pela pessoa e pelo grupo há uma mística que pode tomar funções muito variadas, ser fonte de inspiração e expressar atitudes interiores.

Mais do que Palavras

Processo
Quando falamos em “processo” queremos falar de um conjunto de “coisas” que acontecem em nossa interioridade por motivações diversas, buscadas, provocadas ou surgidas sem serem convidadas. Em vez de “processo” poderíamos falar de “caminho” que vamos fazendo, de “estrada” na qual caminhamos e onde nos defrontamos com “coisas” previstas e imprevistas. “Coisas” que nos alegram, entristecem, desafiam ou nos levam a acomodar-nos. Há até os que falam que estamos numa “travessia”, querendo ou não. Uma “travessia” que é nossa, mas também não é nossa. Uma “travessia” que planejamos e, contudo, não deixa de ser misteriosa. Assim como amamos e rejeitamos alguém sem sabermos o porquê.

O “processo”, apesar de sua vitalidade, pode ser construído e planejado, sem deixar de lado seus aspectos de mistério. O “processo” pode ser vivido e pode ser detectado. É algo vivo que podemos pegar com o coração e que, contudo, pode escapar-nos quando menos esperamos. Pensamos na fé que temos em Jesus Cristo. Qual o “processo” que esta fé viveu em mim? Influências, fatos, descobertas, crescimento, alegrias, sentidos. Também nos momentos de crise. Pensamos no relacionamento com uma pessoa muito querida. Por que este meu relacionamento com esta pessoa é do jeito de agora? O que levou a isto? Que fatos influenciaram? Estamos pensando no “processo” que vivi e vivo com esta pessoa.

Quando falamos de “processo” não nos referimos a uma coisa parada ou automática. É algo que acontece com a vida, com o amor, com tudo o que vai fluindo. Pode ser cultivado ou pode ser abandonado e esquecido, mas o processo não pára. “Processo” estacionado não existe: ou se avança ou se retrocede. Se falamos de “processo de educação na fé” significa que queremos perceber como esta fé avança ou retrocede.

No “processo de educação na fé” podem estar acontecendo muitas coisas: descobertas, dúvidas, leituras, conversas, rezas, seminários de estudo, preguiças, relaxamentos, entusiasmos e decepções. O “processo” é uma enorme mistura, assim como a vida. Apesar disso, contudo, podemos dizer que o processo tem uma direção. Um caminho. A única certeza que temos é que este “processo” começou algum dia e não vai terminar nunca.

Uma pessoa é mais ela quando sabe observar os processos acontecendo dentro dela: o processo do amor, o processo do crescimento, o processo da maturidade, o processo de ser filho/a ou pai e mãe, o processo de ser cuidado. Somos mais nós mesmos quando sabemos perceber o nosso processo de crescimento e amadurecimento na fé. Esse processo, de fato, é tão lindo que é misterioso. Pelo fato de ser lindo e misterioso, o “processo” carrega dentro de si uma “vibração” e uma alegria de sentido. O “processo” não é insosso. Isso nós chamamos de “mística”.

Mística

Podemos dizer que a mística é a alma da espiritualidade. “Espiritualidade” relaciona-se com “espiritual”. “Espiritual” é a pessoa que deixa viver o “Espírito”, o Deus que dá vida. Uma pessoa “espiritual” é uma pessoa que tem muita vida e muita vibração dentro dela. Vida de esperança, de solidariedade, de sentido, de paz e justiça. Mística é o resultado da vivência de sentido.

A mística, contudo, não nasce de nós. Ela é o resultado do meu relacionamento com o Espírito e, nesse sentido, a mística é bebida e comida em espaços onde o Espírito se encarna. A mística pode ser bebida em diferentes lugares: no meu quarto, nas montanhas, no deserto, na praia, num livro, nalguma Igreja, na comunidade, na eucaristia, numa visita a doentes ou pobres... contanto que eu seja capaz e suficientemente atento pata ver e perceber aí o Espírito que me deseja dar mais vida. Quando falamos da “mística da educação na fé” queremos falar do tesão e da vibração que há na descoberta e no aprofundamento de minha fé no seguimento de Jesus do qual aprendemos que a vida é bonita quando a gente se dá aos outros.

Ela tem sua raiz em Deus que se revela de muitas formas, mas de modo divino em Jesus de Nazaré e, de modo humano, em seus seguidores. Meu quarto é um lugar místico quando, nele, encontro mais a mim mesmo em Deus; paisagem é um lugar místico quando nela encontro mais a mim mesmo em Deus; uma praia é um lugar místico quando nela encontro mais a mim mesmo em Deus etc. Eu sou místico quando sou um espaço divino onde Deus se manifesta em sua riqueza infinita.

Quando falamos de “mística do processo de educação na fé” queremos falar do humano-divino que acontece em nós no caminho da descoberta do seguimento de Jesus que nos convida a vivermos e plenitude da vida na doação sempre mais plena aos irmãos. Isso não se dá do dia para a noite; isso se dá de forma humana, isto é, aos poucos. Em processo... Em caminhada... Assim como o rio que, aos poucos, vai-se transformando em mar...

O cultivo da mística desse processo de educação na fé, na Pastoral da Juvenil Marista, nos conduz por dois caminhos: os lugares bíblicos que contemplam a vida de Jesus e os lugares maristas, que exploram o contexto histórico e humano da vida de Champagnat.

Lugar

Não vivemos fora do tempo e do espaço. Só depois da morte. Por isso precisamos encarnar-nos num lugar. Também a mística, em nós, anseia por um ninho. Por isso falamos de “lugar”. O “lugar” bíblico ou marista é um espaço concreto: uma cidade, uma casa, uma região. Ele, contudo, pode ser, mais do que um “lugar” simplesmente porque o “lugar” pode tornar-se um “sacramento”.
Quando a cidade de Nazaré é somente uma cidade como as outras, ela fica sendo somente Nazaré, mas quando em Nazaré viveu e trabalhou um grande amigo que tenho, Nazaré se torna algo mais. Nós dizemos que Nazaré se tornou um “lugar especial” porque olhamos não somente com os olhos, mas com o coração. Nazaré tornou-se sacramento.
Um “lugar” pode ter, ou não, carinho de nossa parte. Esse “carinho” é que torna o lugar mais do que um lugar geográfico. Queremos afirmar que nossa fé precisa de lugares inspiradores, lugares que fazem a fé ter “alma”, “sentimento”, motivação. Nele aprendemos atitudes e convicções.

Momentos e símbolos

No processo de educação na fé que desejamos descrever e apresentar falamos, também, que esse processo tem “momentos”. Poderíamos falar de “paradas”, de “estações”, de “pontos”... Na caminhada da fé não há uma só corrida; são várias corridas. Depois de cada “corrida” a gente pára, contempla e vive. Cada “momento”, por isso, tem várias realidades a serem vividas e descobertas. Por isso, todos os momentos, embora façam parte do mesmo “caminho”, os momentos são diferentes. Aos poucos, a gente vai vendo mais, admirando mais, sendo mais exigente no que se quer viver.

Podemos dizer que os “momentos” dependem um do outro. Os “momentos” vão amadurecendo na medida em que nós amadurecemos neles. Os “momentos” vãos sendo frutos de um processo vivido em cada “momento”. Se aqui a gente é criança, acolá somos adolescentes; se aqui a gente é ingênuo/a, acolá vamos sendo mais críticos; se aqui nos agradam mais as flores, acolá nos chamam a atenção os espinhos que machucam as pessoas; se aqui somos sem projeto, acolá sentimos a necessidade imperiosa de planejar a vida etc. Por isso os “momentos” são diferentes e os lugares são outros.

Falamos, em nosso caso, de cinco “momentos”: o momento da descoberta do caminho comunitário, a descoberta do grupo, a descoberta da comunidade, a descoberta do problemas social e, por fim, a descoberta da vocação e do projeto de vida. Todas as descobertas são importantes; todas as descobertas nunca terminam, mas elas são vividas em “processo”, em “momentos”, cada qual com sua paisagem e seus cuidados especiais. Por isso tem lugares especiais de “alimentação” da mística; por isso tem expressões simbólicas que falam de jeito ajeitado para o que vamos vivendo e descobrindo. Os “símbolos” vão expressando a realidade e a utopia do “momento”. Valorizar um “símbolo” é uma forma de dizer, numa imagem, o que estamos vivendo e desejamos viver.

Assim como o “lugar”, o “símbolo” é muito importante. O “símbolo” é algo que carregamos em nós e que gostaríamos que os outros vissem e, talvez, também vivessem. Ao mesmo tempo que é a visualização de um compromisso, é a vontade de partilhá-lo com os outros. É tão pessoal que tem vontade de ser dos outros. Falando essas coisas, temos consciência que estamos vivendo a descoberta dessa novidade no modo de encarar o processo de educação na fé. Ao mesmo tempo em que falamos de “coisas já sabidas”, faz-se necessário dizer o mesmo de outra forma. Foi uma graça descobrir que uma leitura “racionalizante” do processo de educação na fé pode diminuir o sabor daquilo que é oferecido. Precisamos degustar os “momentos”, “processos”, “lugares”, “símbolos” e “místicas”. O que segue, portanto, são algumas reflexões iniciais, ainda provisórias, dentro de uma nova modalidade de pensar e viver aquilo que conhecemos como “etapas” e “fases” no processo de educação na fé.


PRESSUPOSTOS

Antes da descrição dos “momentos”, é importante termos certa clareza quanto a alguns pressupostos da vivência do “processo”. Coisas que se pressupõem e que enriquecem afirmações que vão ser lidas.

Opções pedagógicas

a)      A crença na importância básica da vivência comunitária, especialmente no grupo. É superficialismo dizer que o grupo deixou de ser importante.
b)      A crença na importância radical de trabalharmos as dimensões da “formação integral”. A “formação integral” se dá quando trabalhamos bem a “personalização”, a “socialização”, a dimensão “teológico-teologal”, a dimensão “política”, a dimensão da “capacitação técnica” e, por fim, a dimensão metodológica, isto é, trabalhar bem a questão do método.
c)      A crença na importância do acompanhamento. Assim como é importante ter alguém que nos acompanhe na caminhada, é decisiva a vontade que temos, em nosso interior, de sermos acompanhados.
d)     A crença no papel fundamental que tem, na vivência do processo, a organização. É a forma concreta de sairmos do isolamento e de ser “povo” e não “massa”, de aprendermos a ser protagonistas no meio em que vivemos. É a forma concreta de aprendermos a viver essa vocação política.
e)      A crença de que a juventude não é uma coisa homogênea, isto é, a crença de que é preciso trabalhar de modo diferenciado, com diversas juventudes, como todas as conseqüências.
f)       A crença de que o método não é algo acidental naquilo que fazemos. O método é que fá um estilo de vida para as pessoas e para as instituições.


Dialeticidade dos “momentos”

Embora falemos de “momentos” insistimos em que os “momentos” não são gavetas uma ao lado da outra. Eles formam um todo. Ao mesmo tempo que são realidades específicas, elas não deixam nunca de existir. O fato de estar vivendo num momento “A”, o momento “B”, “C”, “D” e “E” não deixam de estar presentes aí, também. Só que, naquele momento, a prioridade é um deles. Quem vive, por exemplo, o momento da descoberta da comunidade não pode deixar de lado a descoberta do comunitário, do grupo, da questão social e, até do projeto de vida, mas naquele momento, é importante que priorize tudo que se relaciona com a descoberta da comunidade. O mesmo vale para os outros “momentos”.

Falamos essas evidências porque temos a tendência de esquecer essa dinamicidade que existe na “travessia da fé”. Achamos que se nos encontramos em Jerusalém (lugar teológico), podemos deixar de lado Nazaré (lugar teológico): se já temos um tempo de caminhada, certas coisas que vivemos no tempo da “personalização” não soa mais importantes etc. Esquecemo-nos que um grupo que seta nos seus inícios, com suas características de personalização, esse grupo também tem suas “lutas” (e não somente os que já descobriram que devem meter-se nos organismos intermediários da sociedade civil, etc.). É uma ameaça a visão estática de todo o processo, O processo é vida e a vida não se deixa prender.

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